Amo minha profissão, mas estou adoecendo...
A famosa frase de Confúcio “escolhe um trabalho de que gostes e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida”, resguarda em si um risco à saúde dos trabalhadores e legítima a ideia de que não há espaço para o sofrimento naqueles que escolheram sua profissão e/ou por ela possuem grande apreço. Situação que pode se relacionar e impulsionar os sujeitos ao trabalho compulsivo e a experenciarem a vivência de patologias como a síndrome de burnout.
Em Freud (1930) lemos que a atividade humana percorre duas direções, a busca pelo prazer e a evitação do sofrimento. Conforme esse entendimento, não há como eliminar o sofrimento dos sujeitos, pelo contrário, este é considerado inerente à vida humana. Sendo o mais dolorosamente experimentado, aquele proveniente da relação com o outro. Mas o que isso tem a ver com trabalho?
Se compreendemos que a relação de trabalho é estabelecida a partir da relação com o outro e que mobiliza uma série de recursos associados às subjetividades dos sujeitos, entendemos que trabalhar pressupõe, além do prazer, a vivência do sofrimento. Acerca dessas, é válido mencionar que ambas são experienciadas de modo singular por cada sujeito e influenciadas pelo modo como o trabalho é organizado. Ou seja, mesmo quando exercemos a profissão de nossa escolha ocorrem situações sofríveis em nosso cotidiano de trabalho.
No entanto, essas situações podem ser relacionadas tanto a um sofrimento que nos impulsiona a mudanças quanto a um sofrimento que dá origem a um processo de adoecimento. No primeiro caso, vemos aquilo que Christophe Dejours (2012) denomina de sofrimento criativo. Uma forma de sofrimento que pode se tornar um mobilizador do prazer quando há possibilidade de ressignificação das experiências tidas como sofríveis.
De maneira contrária, quando isto não é possibilitado e os sujeitos recorrem a estratégias para lidar com o sofrimento que passam a se esgotar com o tempo, há possibilidade do trabalhador experenciar destinos patológicos para seu sofrimento. Como exemplo, podemos recorrer à declaração de Harry sobre a vivência da síndrome de Burnout, isto é, de uma experiência de esgotamento, ao tentar conciliar vida pessoal e trabalho, por parte de um membro da família real britânica e gestor de uma grande empresa.
Harry é apenas um exemplo de muitos que poderiam ser dados acerca de manifestações patológicas de experiências sofríveis relacionadas ao trabalho. Afinal, um estudo desenvolvido no Brasil, apontou que, entre os anos de 2012 e 2016, os transtornos mentais e comportamentais, também relacionados ao trabalho, foram a terceira maior causa de concessão de auxílios-doença e aposentadorias (BRASIL, 2017).
Diante disso, gostaria de convidá-lo a refletir sobre seu contexto de trabalho. Caso esteja vivenciando situações sofríveis com ou sem manifestações patológicas, lembre-se que isto não lhe faz um profissional pior e/ou um sujeito "mais fraco". Atente-se ao que seu corpo demanda, busque auxílio profissional e, com ele, pense naquilo que pode ser alterado para que essas situações deixem de ocorrer e /ou sejam ressignificadas.
Quando isto não for possível, pausas e recomeços podem ser possibilidades. Um exemplo disso, foi a desistência de disputar a final olímpica por parte da ginasta norte-americana Simone Biles. Cada sujeito possui suas vivências singulares e suas demandas.
BRASIL. Ministério da Fazenda. 1º Boletim Quadrimestral sobre Benefícios por Incapacidade. Adoecimento Mental e Trabalho: A concessão de benefícios por incapacidade relacionados a transtornos mentais e comportamentais entre 2012 e 2016. Brasília: Ministério da Fazenda, 2017. Disponível em: <http://sa.previdencia.gov.br/site/2017/04/1%C2%BA-boletim-quadrimestral.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2019.