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Anorexia

Ainda que se propague a ideia de que a anorexia é fruto da cultura contemporânea, ela já se fazia presente na antiguidade clássica. Em Freud vemos relatos de casos de sintomas alimentares na obra de 1905. Em Lacan também vemos discussões sobre esse tema e podemos interpretar que crianças, adolescentes e adultos anoréxicos sofrem de um aprisionamento à demanda do Outro e recusam-se a descobrir o que pode significar o ato de comer. Assim, no não querer pensar o que significa o ato de comer há uma condução do sujeito para o que Lacan define como "comer nada".

 

A ação que enuncia "eu como nada", evidenciaria a atribuição ao Outro de um desejo de saber e que é acompanhado por um "Eu estou fora dessa". A anoréxica “come o nada” e se oferece, pela via da identificação, a ser, ela própria, o vazio.

 

Tal qual nos lembram Fucks e Pollo (2010), o par anorexia/bulimia não deixa de ser uma oposição à cultura. Na recusa aos objetos que o Outro lhe empurra “goela abaixo”, o sujeito com anorexia evidencia sua tentativa de manter vivo o desejo. As autoras apontam, ainda, que a clínica torna mais evidente que comer pode não ser apenas uma manifestação da libido oral, mas também da pulsão de morte, cujo objetivo é alcançar um gozo que dispensa o alimento.

 

Pode-se, assim, dizer que a anorexia está no limite entre o funcionamento homeostático prazer/desprazer e uma modalidade de gozo, que pode ser letal.

 

Desse modo, é possível entendermos que a anorexia enquanto sintoma consiste em uma formação do inconsciente que traz em si uma mensagem endereçada ao Outro. Sendo, nesse sentido, um significante que representa o sujeito e aparece como resultado de um conflito que fala da dificuldade de satisfação pulsional. É por essa perspectiva que a recusa do sujeito em relação ao Outro coloca em ato a presença do nada (LADEIRA; COPPUS, 2016).

 

Vale apontar, ainda, que os corpos magros decorrentes de abstinências alimentares são tidos como modelos quase que ideais na busca contemporânea por uma magreza independente do custo disso. Contudo, isso pode nos servir de alerta quanto aos conflitos inconscientes que conduzem os sujeitos, predominantemente as adolescentes e jovens mulheres, a recorrer a esse sintoma, que coloca sua vida em risco (LADEIRA; COPPUS, 2016).

 

Por fim, enfatizo que o quadro de anorexia sofre influencias de processos ansiógenos, de identificações, de cultura, que dificultam um certo “isolamento”, algo que o caracterize de forma típica ou generalizada. Contudo, pode ser comum que o sujeito não apresente a anorexia enquanto uma queixa ou problema. Isto tem a ver com a posição da demanda que é do Outro: Coma! Ganhe peso! Contra isso, o sujeito com anorexia tenta abrir um vazio no Outro e defletir essa demanda, iniciando a exclusão da sexualidade, do desejo pulsional por outros e abrindo caminho para a fixação na imagem de si (DUNKER, 2016).

 

Nessa fixação da imagem de si, vemos algo relacionado ao narcisismo que pode se associar também aos transtornos de imagem: a pessoa se olha no espelho e se vê gorda. Não adianta, desse modo, lhe falarem para comer e engordar, tendo em vista a identificação com o seu outro imaginário, com o ele mesmo, com seu espelho ou com aqueles que fazem parte dos grupos de anorexia. Frente a isto, há na anorexia um quadro que necessita de tratamento/análise e que pode envolver recaídas ao longo do tempo. 

 

 

Betty B. Fuks e Vera Pollo. Estudos psicanalíticos sobre anorexia: quando se come "nada". Rev. latinoam. psicopatol. fundam.. Vol. 13(3):412-424. DOI: 10.1590/S1415-47142010000300003.

 

LADEIRA, Tatiane de Fátima; COPPUS, Alinne Nogueira Silva. Anorexia e adolescência: uma articulação à luz da psicanálise. Reverso,  Belo Horizonte ,  v. 38, n. 71, p. 75-81, jun.  2016 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-73952016000100008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  12  jul.  2022.

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